A dispraxia, também conhecida como transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC), é uma condição neurológica que compromete a capacidade do cérebro de planejar e executar movimentos coordenados. Quando falamos sobre a relação entre dispraxia e autismo, é essencial entender que, embora sejam diagnósticos distintos, frequentemente coexistem, especialmente entre pessoas autistas (TEA).
O que é a dispraxia?
A dispraxia é um transtorno persistente do planejamento e da execução motora voluntária, em que a dificuldade não decorre de fraqueza muscular, alterações sensoriais ou falta de compreensão da tarefa, mas de uma disfunção na forma como o cérebro organiza, sequência e envia os comandos necessários para transformar a intenção em movimento coordenado.
Essa condição pode afetar:
- Coordenação motora fina (ex: segurar lápis, usar talheres);
- Coordenação motora grossa (ex: correr, pular, andar de bicicleta);
- Planejamento de movimentos em sequência (ex: vestir-se ou escovar os dentes);
- Habilidades de fala, no caso da dispraxia verbal.
Quais podem ser as causas da dispraxia?
As origens da dispraxia ainda não são totalmente compreendidas, mas estudos apontam que o transtorno está relacionado a alterações neurológicas que afetam a forma como o cérebro planeja, processa e organiza os movimentos corporais. Diferentemente de condições de ordem muscular ou ortopédica, a dispraxia tem natureza funcional e neurológica.
Entre os fatores que podem estar associados, destacam-se:
- Alterações no desenvolvimento neurológico durante a gestação;
- Prematuridade ou baixo peso ao nascer;
- Histórico de hipóxia neonatal (falta de oxigênio no parto);
- Infecções ou complicações no período perinatal;
- Predisposição genética, especialmente em famílias com histórico de dificuldades motoras ou de linguagem.
Em crianças autistas, a dispraxia pode ter relação com o funcionamento atípico de áreas cerebrais envolvidas na integração sensório-motora, o que afeta o planejamento e a execução de ações voluntárias.
Vale lembrar: não há uma única causa isolada, e a combinação de fatores biológicos, genéticos e ambientais ainda é objeto de estudo. Por isso, o diagnóstico precoce e o acompanhamento interdisciplinar são fundamentais para promover o desenvolvimento motor e funcional da criança.
A relação entre dispraxia e autismo
Pesquisas demonstram que uma parte expressiva das crianças autistas também apresenta sinais de dispraxia, o que torna a sobreposição entre os dois quadros bastante comum. Um estudo internacional publicado no Journal of Autism and Developmental Disorders identificou que aproximadamente 50% das crianças com autismo demonstram características compatíveis com o transtorno do desenvolvimento da coordenação, especialmente nas áreas de linguagem e coordenação motora global.
Esses dados reforçam que a presença da dispraxia pode potencializar alguns dos desafios já vivenciados por crianças autistas, como:
- Maior dificuldade para realizar tarefas rotineiras de forma independente;
- Limitações na fala e articulação verbal;
- Dificuldade para imitar movimentos ou participar de brincadeiras motoras com outras crianças.
Exemplos práticos dessa relação
- Uma criança com TEA pode entender o passo a passo necessário para escovar os dentes, mas não consegue transformar esse conhecimento em uma sequência de movimentos coordenados.
- Em casos de dispraxia verbal, é comum o atraso no início da fala, dificuldade em articular palavras ou organizar os sons, mesmo quando há compreensão do que se deseja expressar.
Como identificar os sinais de dispraxia em autistas?
Embora os sinais possam variar, alguns indicadores frequentes merecem atenção especial:
- Coordenação motora grossa: dificuldade para andar, correr, pular, pedalar ou manter o equilíbrio;
- Coordenação motora fina: desafios em tarefas que exigem precisão, como recortar, escrever, amarrar cadarços ou manipular objetos pequenos;
- Controle motor e segurança: tropeços ou quedas recorrentes, sem explicação ligada a fatores externos;
- Fala e linguagem: atrasos na aquisição da fala ou dificuldade em articular sons com clareza;
- Interação social: tendência a evitar brincadeiras físicas ou esportivas com outras crianças;
- Habilidades adaptativas: dificuldade em tarefas que exigem sequência de ações, como vestir-se ou organizar o material escolar.
Importante: a dispraxia não afeta a inteligência da criança. No entanto, pode impactar o rendimento escolar, as interações sociais e a autoconfiança, principalmente quando não é compreendida nem abordada de forma adequada.
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Diagnóstico: é autismo, dispraxia ou os dois?
Embora muitas vezes coexistam, autismo e dispraxia são condições diferentes. Algumas crianças com TEA não apresentam dispraxia, e vice-versa.
O diagnóstico diferencial e/ou conjunto deve ser feito por uma equipe interdisciplinar, que pode incluir neurologista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e psicopedagogo. O processo envolve observações clínicas, testes motores e avaliação do desenvolvimento global da criança.
Estratégias de intervenção para dispraxia em crianças com Autismo
As intervenções devem ser individualizadas, considerando o perfil motor, sensorial, cognitivo e emocional de cada criança. Entre as abordagens com maior suporte científico, destacam-se:
- Terapia Ocupacional
Essencial para o desenvolvimento da coordenação motora fina e grossa. Trabalha habilidades funcionais, favorecendo maior autonomia e independência em tarefas do cotidiano e segurança nos movimentos; - Fonoaudiologia
Nos casos de dispraxia verbal, contribui para a organização motora da fala, a clareza na articulação dos sons e o uso funcional da linguagem; - Fisioterapia
Focada em equilíbrio, controle postural e força muscular, amplia a confiança e a eficácia nos movimentos corporais; - Intervenções baseadas em ABA (Análise do Comportamento Aplicada)
Possibilitam o ensino estruturado de sequências motoras, o uso de reforço positivo e a generalização de novas habilidades em diferentes contextos; - Apoio escolar e adaptações pedagógicas
Incluem o uso de recursos adaptados (como lápis grossos ou tesouras especiais), tempo adicional para tarefas, apoio visual e estratégias de ensino mais práticas, favorecendo a participação plena no ambiente escolar.
A importância do acolhimento e da inclusão
Mais do que um diagnóstico, o que realmente faz diferença na trajetória de uma criança com autismo e dispraxia é o acolhimento da família, da escola e da equipe terapêutica.
Com intervenções adequadas e consistentes, crianças com dispraxia podem ampliar sua autonomia e independência, participar de forma ativa na vida social e, sobretudo, sentir-se reconhecidas e valorizadas por cada conquista, ainda que o ritmo de desenvolvimento seja diferente.
Convivendo com a dispraxia: orientações para famílias
- Evite comparações: cada criança tem seu tempo de desenvolvimento. Compará-las com colegas ou irmãos pode gerar frustrações desnecessárias.
- Celebre pequenas vitórias: mesmo os avanços discretos merecem reconhecimento.
- Crie rotinas claras e previsíveis: isso dá mais segurança para que a criança organize suas ações.
- Escute e acolha: muitas vezes a criança se frustra por não conseguir expressar o que sente ou realizar o que deseja.
- Incentive talentos não motores: música, desenhos, jogos, animais, ajude a criança a descobrir o que ela gosta e onde se sente capaz.
A dispraxia, especialmente quando associada ao Transtorno do Espectro Autista, demanda um olhar atento, empático e técnico. O diagnóstico precoce e a intervenção correta fazem toda a diferença na qualidade de vida da criança e de sua família.
Se você suspeita que uma criança com TEA também apresenta dificuldades motoras ou sinais de dispraxia, não hesite em buscar orientação profissional. Com o suporte adequado, cada passo, por menor que pareça, pode se transformar em um avanço significativo rumo à autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão.
Fontes:
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC5123360/