Brincar, desenhar, cantar, montar blocos, imitar sons ou simplesmente observar movimentos… Atividades simples podem ser muito importantes quando adaptadas às necessidades e interesses de uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA). E mais do que promover o desenvolvimento cognitivo, sensorial, social e motor, essas experiências reforçam vínculos, aumentam a confiança e ensinam habilidades importantes.
Neste guia completo, você entenderá quais atividades podem ser benéficas para pessoas autistas, como adaptá-las ao nível de suporte necessário e por que respeitar o perfil da criança é essencial.
Aspectos a considerar antes de propor atividades para crianças com TEA
Antes de selecionar atividades para uma criança autista, é essencial analisar variáveis individuais que influenciam o engajamento, o conforto e o potencial de aprendizagem. Intervenções eficazes respeitam diferenças sensoriais, motoras, comunicativas e sociais, além do nível de suporte necessário. Considere:
- Nível de suporte: classificado nível de suporte 1,2 ou 3, conforme a necessidade de auxílio para comunicação, interação social, comportamento e adaptação às demandas cotidianas.
- Perfil sensorial: identificar padrões de hiper ou hipossensibilidade a estímulos auditivos, táteis, visuais, olfativos ou gustativos, conforme descrito nos critérios diagnósticos e nas práticas de integração sensorial.
- Interesses específicos ou restritos: reconhecer temas, objetos ou atividades que favoreçam a motivação (dinossauros, letras, água, formas geométricas etc.), usando-os como facilitadores de engajamento.
- Capacidades comunicativas: avaliar se a criança utiliza linguagem verbal, não verbal, comunicação aumentativa/alternativa (CAA), para ajustar instruções e expectativas.
- Estrutura e previsibilidade: crianças autistas costumam responder melhor a ambientes organizados e rotinas estáveis; mudanças abruptas devem ser mediadas com pistas visuais ou antecipação verbal.
- Preferências de interação social: observar se a criança demonstra maior conforto em atividades individuais, em dupla ou em pequenos grupos, ajustando a complexidade social de acordo com sua disponibilidade.
Planejar atividades a partir dessas variáveis aumenta a probabilidade de participação ativa, reduz o risco de sobrecarga e favorece ganhos nas áreas cognitiva, social, comunicativa e motora.
Atividades sensoriais: estratégias baseadas em integração sensorial
Muitas pessoas autistas apresentam padrões atípicos de processamento sensorial, descritos na literatura como hiperresponsividade, hiporresponsividade ou busca sensorial. Essas diferenças podem impactar a autorregulação, a atenção e o engajamento social. Intervenções fundamentadas na Teoria da Integração Sensorial, proposta por A. Jean Ayres, indicam que experiências estruturadas e graduadas, conduzidas ou orientadas por terapeutas ocupacionais, favorecem a organização do sistema nervoso e ampliam a capacidade de resposta adaptativa.
Atividades que estimulam os canais sensoriais como tato, visão, audição, olfato, paladar, propriocepção e vestibular devem ser selecionadas considerando o perfil sensorial individual, sempre com supervisão adequada e respeito aos sinais de desconforto.
Exemplos de propostas baseadas em integração sensorial:
- Manipulação de massinhas caseiras (com diferentes texturas ou aromas suaves) para estimular tato, coordenação motora fina e força de preensão.
- Caixas sensoriais com arroz colorido, bolinhas de gel, sementes ou areia, oferecendo oportunidade de explorar pesos, temperaturas e resistências variadas.
- Pintura com os dedos ou pincéis grossos, favorecendo coordenação bilateral, planejamento motor e tolerância ao contato tátil.
- Atividades aquáticas (banho com espuma, jogos de despejar e encher, brinquedos flutuantes) que associam estímulos táteis, proprioceptivos e vestibulares.
- Exploração de tecidos e superfícies contrastantes, como algodão, veludo, lã, EVA ou plástico-bolha, ampliando discriminação tátil.
- Jogos com luz negra e materiais fluorescentes, em ambiente controlado, para trabalhar percepção visual e atenção compartilhada.
Dica terapêutica: para crianças que demonstram resistência ao toque, introduza gradualmente o contato direto, utilizando utensílios como colheres, rolos ou luvas sensoriais. A progressão deve ser lenta, observando sempre os sinais de aceitação ou sobrecarga. Lembre de sempre ter orientação clinica para basear as escolhas.
Atividades motoras: contribuições da Terapia Ocupacional e da Fisioterapia
A estimulação planejada das habilidades motoras é essencial para o desenvolvimento global de crianças autistas. Estudos mostram que, além de favorecer o ganho de força, equilíbrio e resistência, atividades motoras lúdicas impactam positivamente a autorregulação, a atenção e a participação social.
Crianças autistas podem apresentar desafios tanto na coordenação motora grossa (controle postural, locomoção, equilíbrio) quanto na coordenação motora fina (movimentos precisos das mãos, planejamento motor).
Sugestões de atividades motoras:
- Circuitos motores estruturados, com obstáculos simples (pular, engatinhar, subir em pequenos degraus ou passar por arcos), favorecendo equilíbrio, força e planejamento motor.
- Construção com blocos grandes ou peças de encaixe, estimulando coordenação bilateral, motricidade fina e percepção espacial.
- Atividades manuais, como amassar, rasgar e colar papéis coloridos, que fortalecem mãos e dedos, além de trabalhar organização visuomotora.
- Jogos com bola (rolar, lançar, segurar), desenvolvendo coordenação olho-mão, velocidade de reação e integração social.
- Brincadeiras leves com bexigas ou bolhas de sabão, que trabalham alcance, coordenação e atenção compartilhada.
- Dança criativa, acompanhando músicas calmas ou ritmadas, que amplia a consciência corporal, ritmo e expressão motora.
Atividades de comunicação e linguagem
A estimulação estruturada da linguagem, associada a contextos significativos e motivadores, favorece tanto a compreensão quanto a expressão em crianças com TEA. Intervenções eficazes combinam estratégias verbais, visuais e gestuais, respeitando o nível de suporte necessário e os interesses individuais da criança.
O objetivo não se limita ao aumento do vocabulário, envolve também o desenvolvimento pragmático (uso funcional da linguagem), a comunicação social (troca de turnos, contato visual, atenção compartilhada) e o planejamento comunicativo seja por fala, sinais ou sistemas aumentativos/alternativos de comunicação (CAA).
Sugestões de atividades:
- Músicas com gestos, rimas ou refrões repetitivos, favorecendo atenção conjunta, ritmo e imitação motora/verbal.
- Uso de cartões com figuras e palavras, incentivando nomeação, escolha funcional e ampliação do repertório.
- Leitura dialógica de livros com imagens grandes, estimulando perguntas, antecipações e comentários sobre a história.
- Narrativas com fantoches ou objetos reais, que apoiam compreensão de sequência, emoções e enredos simples.
- Jogos de imitação de sons, expressões faciais e movimentos articulatórios, desenvolvendo percepção auditiva, controle motor oral e habilidades sociais iniciais.
- Escolha entre opções (figuras, objetos ou fotos), fortalecendo tomada de decisão e comunicação funcional, mesmo para crianças não verbais.
Recomenda-se que essas atividades sejam orientadas por fonoaudiólogos, de forma que familiares e educadores possam generalizar estratégias no cotidiano.
Atividades pedagógicas
Atividades voltadas ao desenvolvimento pedagógico para crianças autistas devem articular estímulos significativos, estratégias lúdicas e recursos visuais que facilitem a organização, o planejamento e o aprendizado. O foco é promover atenção, memória operacional, raciocínio lógico e habilidades acadêmicas e pré-acadêmicas, respeitando o perfil e os interesses da criança.
Quando integradas ao cotidiano escolar e familiar, essas práticas ampliam a autonomia/independência, fortalecem a autoestima e favorecem a generalização de habilidades para outros contextos.
Sugestões de atividades:
- Sequências de imagens ou cartões que ajudem a criança a organizar temporalidade e antecipar etapas (“o que vem antes, durante e depois”).
- Jogos de memória com temas de interesse, estimulando atenção visual, associação e flexibilidade cognitiva.
- Classificação e categorização (por cor, forma, tamanho ou função), favorecendo raciocínio lógico e formação de conceitos.
- Atividades de encaixe e correspondência (formas geométricas, letras, números ou objetos reais), desenvolvendo coordenação viso-motora e percepção espacial.
- Quebra-cabeças graduados, promovendo planejamento, análise de partes e solução de problemas.
- Rotinas visuais (calendários, listas ilustradas, agendas), úteis para estruturar tarefas e reduzir ansiedade diante de mudanças.
Atividades para socialização
Pessoas com TEA podem ter mais dificuldade em interações sociais. Atividades que estimulem o brincar com o outro, sem forçar, ajudam a desenvolver empatia, compartilhamento e entendimento das emoções alheias.
Ideias de atividades sociais:
- Brincadeiras de revezamento (ex: “minha vez, sua vez” com brinquedos)
- Jogo da mímica ou das expressões faciais
- Faz de conta (brincar de casinha, mercado, escola)
- Culinária simples com os pais, irmãos ou colegas
- Atividades em grupo com supervisão, como rodas de música
Lembre-se: o objetivo não é forçar a interação, mas proporcionar oportunidades seguras e agradáveis.
Atividades para adolescentes e adultos autistas
Para adolescentes, jovens e adultos no espectro, as atividades devem ser planejadas de acordo com a faixa etária, os interesses pessoais e os objetivos da vida adulta, favorecendo autonomia, independencia, autorregulação, expressão e lazer significativo.
Sugestões:
- Artesanato, costura, jardinagem ou culinária
- Jogos de estratégia (quebra-cabeças mais complexos, dominó, xadrez)
- Exercícios físicos adaptados (caminhadas, yoga, pilates)
- Produção de vídeos ou podcasts com apoio
- Oficinas de habilidades sociais ou profissionais
O que evitar nas atividades com autistas
- Brincadeiras forçadas ou competitivas demais
- Estímulos sensoriais exagerados ou desagradáveis (cheiros fortes, luzes piscantes, sons altos)
- Interrupções bruscas sem aviso
- Excesso de comandos verbais sem apoio visual
- Falta de previsibilidade e rotina
Dica para pais e educadores
Mais do que escolher a atividade “perfeita”, é essencial garantir um ambiente seguro, acolhedor e ajustado ao perfil de cada indivíduo. Observe seus interesses, adapte propostas ao seu ritmo e valorize cada progresso. Atividades significativas, planejadas com respeito e afeto, fortalecem vínculos, promovem autonomia, independência e favorecem o desenvolvimento integral.
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